Cenário tem ‘virada’ e reduz fatores favoráveis ao investimento em 2023

O bom desempenho do investimento nos últimos dois anos foi alavancado por fatores que estão se enfraquecendo ou sob ameaça. Após alcançar 19,6% do PIB no terceiro trimestre deste ano, maior patamar desde 2014, a taxa de investimento enfrenta uma perspectiva mais difícil em meio a um cenário de crescimento anêmico, juros altos e desconfiança em relação ao quadro fiscal.

Este, ao menos, é o cenário pintado atualmente por boa parte dos analistas. Após dois anos de crescimento forte - a expansão do PIB chegou a 5% em 2021 e deve ter encerrado na casa de 3% em 2022 -, a expectativa é de uma desaceleração firme. A mediana da pesquisa Focus, do Banco Central, aponta para avanço de 0,75% ano que vem. Na pesquisa publicada sexta-feira, 30, pelo Valor, a mediana entre 114 instituições ficou em 0,7%.

Ao mesmo tempo, a economia entrará em 2023 com uma taxa básica de juros em 13,75% e os juros longos - os que importam nas decisões de investimento - também em patamar alto. Ontem o vencimento para 2035 da NTN-B, título do Tesouro que paga juro real, isto é, descontada a inflação, estava em 6,21%, contra 5,27% no fim de 2021 e 3,21% em 2020.

 

Decisões de investimento olham a perspectiva futura, mas também se baseiam, em parte, nas condições atuais. Uma maneira de olhar isso é observar o comportamento do retorno do capital investido (ROIC) e o custo médio ponderado do capital de (WACC) de uma seleção de 450 empresas com capital aberto. Os cálculos feitos pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe) mostram que a atratividade do investimento - a diferença entre o ROIC e o WACC - fez um pico recente no primeiro trimestre de 2022, mas já no terceiro trimestre o custo de capital voltou a prevalecer.

“Ao lado disso, esse período teve alguns avanços interessantes que ajudaram a deslanchar investimentos, como a nova lei das agências reguladoras, a aprovação do marco do saneamento, lei do gás, um ambiente institucional melhor”, diz Carlos Antonio Rocca, coordenador do instituto.

Vale notar, diz o economista, que os números são compilados usando dados de grandes companhias listadas em bolsa e que, em teoria, são mais eficientes que a média do mercado brasileiro como um todo. Ou seja, a relação custo-benefício de investir para a média das empresas brasileiras é pior.

Olhando com lupa, é possível observar também que os dois principais grupos que capitanearam melhora recente do investimento, a construção civil e a indústria de caminhões e maquinário ligada ao agronegócio - não necessariamente contam com perspectivas tão favoráveis quanto as que estiveram presentes até aqui.

Em relação ao primeiro, a perspectiva do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscom-SP) é que o crescimento do segmento caia de 7% em 2022 para apenas 2,4% em 2023. Já o segundo ainda conta com uma perspectiva mais animadora. A estimativas mais atual da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de uma safre recorde em 2023, chegando a 312,2 milhões de toneladas, ou 15% acima da obtida este ano. Por outro lado, é amplamente esperado que o boom dos preços das commodities tenha se encerrado e que esse quadro apresente estabilidade ou leve queda no ano que vem.

Pesquisador do Instituto de Economia Brasileira (FGV Ibre), Gilberto Borça ressalta o caráter conjuntural de ambos os “puxadores” do investimento. “O setor de commodities está ligado a esse ciclo de alta dos preços, ou seja, é um tipo de investimento menos nobre. Já a construção civil também se recupera de uma forte queda entre 2015 e 2016, quando o setor foi praticamente dizimado pela Lava-Jato”, comenta.

Borça lista outros motivos para reduzir o entusiasmo com a alta do investimento recente. O primeiro é o conhecido efeito contábil da internalização das plataformas de petróleo nas contas nacionais, que inflou a formação bruta de capital fixo (FBCF) em cerca de um ponto porcentual em 2020 e 2021 - os efeitos deste devem diminuir a partir de 2022.

O segundo é o fato de que os preços dos produtos e insumos do investimento cresceram mais rápido que os preços da economia como um todo no período recente. Em situações como essa, a FBCF como proporção do PIB pode crescer mesmo se não houver crescimento real, afirma.

Decompondo a variação da taxa de investimento em relação ao PIB a preços correntes, o economista nota que esse deflator do investimento respondeu por 42,8% do crescimento do investimento em 2021, ou 2,1 pontos percentuais do crescimento de 4,9% da FBCF em 2021 ante o ano anterior. Ainda assim, o crescimento real teria sido de 2,5 pontos percentuais - o maior desde 2010.

Olhando adiante, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva acena com uma retomada dos investimentos públicos, cujos patamares hoje não são suficientes nem mesmo para cobrir a depreciação do capital, lembra o pesquisador do Ibre.

“O investimento público acaba gerando ganhos sistêmicos na economia e acabam canalizando o investimento privado”, diz Borça. “Acredito que a nomeação de Gabriel Galípolo [para a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda], um especialista em Parcerias Público Privadas, pode ajudar a deslanchar esse modelo e atrair o setor privado, dada as limitações fiscais”, complementa.

Nos cálculos de Cláudio Frischtak, sócio gestor da consultoria Inter.B, o investimento público em infraestrutura, incluindo o de empresa estatais, responde hoje por algo perto de 0,6% do PIB. “Portanto, ele não é muito relevante do ponto do investimento agregado, mas pode gerar um efeito de ‘crowd-in’ [quando induz outros agentes a investir]. Vejo os dois como complementares”, diz.

A questão, pondera, é que o direcionamento que o novo governo pretender dar à questão fiscal pode atuar como espantalho do investimento. “O que está sendo proposto atualmente no Congresso já cria um efeito negativo que pode perdurar meses e talvez anos. Vamos ter um desincentivo enorme por causa do aumento do custo de capital”, diz.

No curto prazo, Frischtak é cético em relação à promessa do novo governo de aumentar o investimento público neste ano. “Não existe projeto, capacidade de execução ou governança para um boom de obras. Se tudo der certo, poderia crescer algo como 0,1 ponto porcentual do PIB em 2023, algo em torno de R$ 10 bilhões, talvez 0,2 ponto. Falar em um choque de R$ 40 bilhões não tem nem pé nem cabeça”, comenta.

Deixe seu comentário