Estadão: Coluna Fernando Dantas - Agro e construção puxam investimento

Agro e construção puxam investimento

 

Mesmo com todos os problemas da economia brasileira, investimento subiu significativamente entre 2019 e 2021, puxado por bons retornos sobre o capital.

 

Fernando Dantas

 

31 de março de 2022 | 20h00

 

Recente trabalho do Centro de Estudo de Mercado de Capitais da Fipe (CEMEC), que tem à frente o economista Carlos Antonio Rocca, analisou com mais atenção um fato até certo ponto surpreendente: a taxa de investimento “ajustada” (explicação mais abaixo) subiu de 16,2% para 18,2% do PIB entre 2019 e 2021, mesmo com toda a capacidade ociosa, baixa expectativa de crescimento e elevada incerteza da economia brasileira.

 

O estudo empregou indicadores da disposição de investir das empresas abertas para formular expectativas de sustentação desses investimentos.

 

De forma resumida, a constatação é de que o aumento do investimento é puxado pelo setor privado – com destaque para insumos do agronegócio e da construção civil – e impulsionado por condições favoráveis de rentabilidade.

 

A pesquisa aponta que o crescimento nominal dos investimentos das empresas abertas ligadas ao agronegócio é o dobro daquele do conjunto de todas as empresas abertas. Já a taxa de retorno do capital total investido das empresas abertas, que desde 2018 se aproximava do custo médio do capital, em 2021 o superou significativamente, o que é positivo para o investimento.

 

Segundo o trabalho, “o alto coeficiente de retenção de lucros sinaliza a perspectiva de manutenção ou realização de novos investimentos”.

 

Uma possível interpretação desses resultados é de que a economia brasileira parece pronta para crescer, caso haja redução da incerteza. Indo um passo além, dá para especular sobre se não são sinais de um ciclo econômico que se reinicia com a retomada do investimento privado, e não com o gasto público.

 

A menção inicial à taxa “ajustada” de investimento deve-se ao fato de que, na realidade, o indicador subiu 3,4 pontos porcentuais (pp) entre 2019 e 2021, de 15,52% para 18,92%.

 

No entanto, como esmiuçado em recente artigo do economista Gilberto Borça Jr., do BNDES, no Blog do Ibre, para se chegar a números com significado econômico mais preciso, é necessário fazer ajustes relativos à contabilização de exportações “fictas” de plataformas da Petrobrás (na verdade produzidas no Brasil); e também eliminar efeitos da mudança de preços relativos entre bens de capital que compõem a formação bruta de capital fixo (FBCF, ou o investimento) e os preços de bens de serviços que compõem o PIB.

 

É após esses ajustes que a taxa de investimentos de 2019 sobe para 16,2% e a de 2021 recua para 18,2%, reduzindo a diferença de 3,4pp dos números sem ajuste para os 2pp com os quais o Cemec trabalhou.

 

Esse aumento da taxa de investimentos se dá num pano de fundo, como mostra o trabalho, no qual a recuperação da economia brasileira pós-pandemia perdeu velocidade, com retorno a um ritmo muito próximo daquele de 2019, bastante lento. Já a expectativa média de crescimento do PIB nos três anos adiante, tirada do Focus, é de apenas 1,35% – a menor desde 2006, e em queda desde o início de 2021.

 

Finalmente, o Índice de Incerteza do Brasil, calculado pela FGV, permanece em nível bem elevado para padrões históricos, ainda que tenha caído desde o pior momento em setembro de 2021.

 

Apesar desse ambiente econômico de aparência pouco entusiasmante, a pesquisa do Cemec indica que, em termos reais, a FBCF cresceu 16,62% entre 2019 e 2021, com 21,21% de alta de máquinas e equipamentos e 13,32% da construção civil.

 

Em termos de produção física, máquinas e equipamentos destinados à agricultura é à indústria da construção tiveram alta acima de 40% no período, em termos reais. Os dois itens representaram 2/3 do aumento de máquinas e equipamentos, sendo 50% relativos à agricultura e 16% à indústria de construção.

 

O bom momento das commodities e as boas safras explicam o impulso na agricultura, enquanto as taxas de juros ainda muito baixas em boa parte de 2021 estimularam a construção civil.

 

Focando o balanço das empresas abertas (com a ressalva de que há limitações para analisar a evolução dos investimentos por setores), o trabalho encontra que empresas relacionadas ao agronegócio, sejam usuárias das matérias-primas do setor, sejam fornecedoras de insumos, máquinas e equipamentos para o setor, tiveram alta da FBCF entre 2019 e 2021 de 52%, ante 24% para o total das empresas abertas.

 

Além do já mencionado fato de que a taxa de retorno superou por ampla margem o custo do capital das empresas abertas, o trabalho aponta condições favoráveis de endividamento e liquidez na grande maioria dessas firmas.

 

Finalmente, no ano até o terceiro trimestre de 2021, as empresas abertas tiveram forte crescimento do lucro líquido e destinaram 2/3 do valor para retenção de lucros, que chegou a 3,39% do PIB, maior nível desde 2009. Já a taxa de payout (dividendos e juros sobre capital próprio) foi de apenas 34,9%, menor valor igualmente desde 2009.

 

Segundo o documento, “esses indicadores revelam a perspectiva dessas empresas de manter os investimentos”.

 

Mas o estudo também aponta fatores da conjuntura atual que podem inibir investimentos: inflação e juros em alta, e as incertezas derivadas da Guerra da Ucrânia e das sanções contra a Rússia.

 

Segundo o trabalho, “não obstante alguns setores possam ser até beneficiados, o aumento da inflação e a elevação das taxas de juros domésticas e internacionais, além dos efeitos período eleitoral, não configuram cenário favorável para os investimentos”.

 

Fernando Dantas é colunista do Broadcast ([email protected]) Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 31/03/2022, quinta-feira.

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