Retração de desembolsos é generalizada

RETRAÇÃO DE DESEMBOLSOS É GENERALIZADA

Quando se olha os grandes números para além da infraestrutura, o Brasil registra os piores patamares de investimentos em décadas.

O volume de investimentos do governo federal, por exemplo, encerrou o ano passado equivalendo a 0,26% do PIB, segundo acompanhamento do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). O resultado é o mais baixo desde 2003 e 2004, quando os investimentos federais foram de 0,20% e 0,21%, respectivamente.

No entanto, o pesquisador Manoel Pires, coordenador do Observatório, chama a atenção para a enorme diferença entre os dois momentos. “Lá atrás, foi preciso fazer um ajuste fiscal no início do primeiro governo Lula, que levou à redução do investimento público num curto período, mas foi seguido de retomada”.

Agora, o que se vê são anos seguidos de retração generalizada.

“Ao que tudo indica, a redução do investimento público não chegou ao piso e vai cair mais ainda”, afirma Pires. Somando governo central, estados, municípios e estatais federais numa série histórica iniciada em 1947, o volume de investimentos totalizou 2,05% do PIB no ano passado. Trata-se do segundo menor índice, superando apenas o resultado de 2017, quando atingiu 1,94% do PIB.

Em parte, há uma redução de gastos para um ajuste fiscal no curto prazo, mas Pires visualiza uma transformação maior, de ordem estrutural. Segundo ele, a recessão e a mudança de governo federal em 2015 levaram a uma revisão, de fundo mais ideológico, do modelo econômico brasileiro.

“A ideia de reduzir a participação do Estado na economia foi posta em prática. Então, o setor público investe menos, o BNDES assume outras funções e buscam-se reformas para atrair capital privado”, diz Pires.

O maior exemplo desse reposicionamento é a drástica retração dos investimentos das estatais, que atingiu o menor valor da série histórica iniciada em 1995, explica ele. A Petrobras chama a atenção. No ano passado, executou 38% dos investimentos previstos, quando historicamente aplicava 90%.

“A estatística está demonstrando o efeito prático de uma decisão anunciada pelo governo, que era conter a atuação da Petrobras”, diz Pires.

Alguns analistas que acompanham a macroeconomia podem estranhar uma discussão sobre queda nos investimentos. Desde 2018, nas contas nacionais, o indicador que mede investimentos em bens e serviços que podem elevar a capacidade produtiva do Brasil, como máquinas e equipamentos, não para de subir. Estamos falando da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) em relação ao PIB.

Em 2017, essa taxa caiu a 14,6%, o pior patamar da série iniciada em 1996. Porém, no ano seguinte, começou a subir, indo a 15,1% até chegar, no ano passado, em 19,2%. É um resultado surpreendente, pois supera a média dos últimos 25 anos, que está em 18,1%.

O pesquisador do FGV IBRE Gilberto Borça Júnior ficou intrigado com o comportamento do indicador. Debruçou-se sobre os dados e identificou itens que de alguma forma elevaram artificialmente o resultado do investimento nesses quatro anos.

Entre eles estão a importação de plataformas de petróleo da Petrobras, fabricadas aqui mesmo no Brasil, mas registradas no exterior e depois internalizadas, tudo na base da contabilidade. Aumentos de preços dos produtos usados para representar investimento produtivo, principalmente por causa da alta do dólar. O repique da construção civil, produzido na verdade pelo efeito formiguinha das reformas durante a pandemia, financiadas em muitos casos pelo auxílio emergencial.

No artigo publicado em blog do Ibre, ele faz o alerta que repetiu na entrevista à Folha. “Esses dados mostram que nem tudo que reluz é ouro, e que precisamos criar condições para elevar o investimento público, porque é ele que pode induzir o crescimento e criar melhores condições para o investidor privado.”

A taxa média anual de investimento, de 2018 a 2021, expurgados os eventos circunstanciais, estaria na casa de 16%, algo que não se via desde a década de 1960, segundo a série de dados do Cemec-Fipe (Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

O coordenador da entidade, Carlos Antonio Rocca, conta que eles também têm informações sobre todas as empresas de capital aberto, algumas desde 2005. Segundo pesquisa que consolida esses dados, foi identificado que dois fatores respondem por 70% das decisões de investimentos no Brasil: a projeção de taxa de retorno do capital investido, com critérios que variam de empresa a empresa, e o crescimento do PIB nos três anos seguintes à análise.

“Dado o resultado, é nítido que o cenário não é estimulante para as empresas”, diz Rocca. “Ainda assim, não temos hoje nenhuma política pública que incentive investimento e crescimento.”

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