Valor Econômico: Setor privado responde por toda a alta do investimento

Setor privado responde por toda a alta do investimento

 

No cenário atual, com inflação, juros altos e incertezas políticas, as perspectivas para o investimento privado não são favoráveis, afirmam analistas

 

Por Anaïs Fernandes

 

O salto da taxa de investimentos no Brasil entre 2016 e 2021, de 15,5% para 19,2% do PIB, se deve integralmente ao aumento no setor privado, cuja taxa passou de 13,6% para 17,5% do PIB, enquanto os investimentos públicos recuaram de 1,93% para 1,64%, patamar dos dois últimos anos.

 

As estimativas para 2020 e 2021 são do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe), com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), das Contas Nacionais do IBGE e do Tesouro Nacional.

 

O aumento do investimento privado se concentrou no agronegócio e na indústria da construção. No período 2016/21, a produção de bens de capital agrícolas e suas peças cresceu, respectivamente, 3,9% e 7,3% ao ano, somente abaixo dos bens de capital destinados à indústria da construção, cuja produção aumentou 11% ao ano.

 

No período mais recente, a indústria habitacional beneficiou-se de gastos com reformas na pandemia, pela queda dos juros no financiamento da construção e da comercialização de imóveis. Já a produção e os investimentos da agropecuária tiveram o incentivo dos preços das commodities e da taxa de câmbio, informa o Cemec-Fipe.

 

Dadas as restrições para o investimento público, houve um esforço dos governos para adotar uma agenda de privatizações e concessões, diz Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Mas há, segundo ele, efeitos estatísticos e/ou temporários que ajudam a explicar o impulso recente do investimento privado.

 

Descontados esses efeitos, a taxa do investimento privado, em relação ao PIB, subiu 2,9 pontos percentuais entre 2016 e 2021, acima da alta de 2,7 pontos da taxa total. Para analistas, no cenário atual, com inflação, juros altos e incertezas políticas, as perspectivas para o investimento privado não são favoráveis.

 

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Alta do investimento foi toda liderada por setor privado

 

Participação do segmento avançou de 13,6% para 17,5% do PIB de 2016 a 2021, mostra Cemec

 

Por Anaïs Fernandes

 

O salto da taxa de investimentos no Brasil entre 2016 e 2021, de 15,5% para 19,2% do PIB, se deve integralmente ao aumento no setor privado, cuja taxa passou de 13,6% para 17,5% do PIB no período, enquanto os investimentos públicos recuaram de 1,93% para 1,64%, mesmo patamar dos dois anos anteriores. As estimativas para 2020 e 2021 são do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe), com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), das Contas Nacionais do IBGE e do Tesouro Nacional.

 

O Cemec lembra que, desde 2018, as taxas de investimento refletem os impactos dos critérios de contabilização de plataformas de petróleo, além de mudanças dos preços relativos entre a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e o PIB no período. “Limpando” os dados desses efeitos, a partir também de um trabalho do economista Gilberto Borça publicado no Valor, o Cemec ainda estima que a taxa de investimentos privados, em relação ao PIB, subiu 2,9 pontos percentuais entre 2016 e 2021, acima da alta de 2,7 pontos da taxa total.

 

Três quartos desse aumento ocorreram entre 2019 e 2021, quando a taxa de investimento privado, com ajuste, avançou dois pontos percentuais do PIB. Nessa época, nota o Cemec, a taxa de crescimento do índice de FBCF chegou a 8% ao ano, quase o dobro da observada no período inteiro de 2016 a 2021 (4,5% ao ano). “Minha interpretação é que se trata de um ciclo de recuperação do investimento que começou em 2016-2017, após a recessão iniciada em 2014, foi interrompido pelo choque da pandemia em 2020, mas depois se recuperou fortemente”, diz Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe.

 

O estudo sugere que o aumento dos investimentos privados se concentrou no agronegócio e na indústria da construção. No período de 2016 a 2021, a produção física de bens de capital agrícolas e suas peças cresceu 3,9% e 7,3% ao ano, respectivamente, somente abaixo dos bens de capital destinados à indústria da construção, cuja produção avançou 11% ao ano.

 

Esse desempenho foi reforçado no período de 2019 a 2021, saltando para mais de 18% ao ano no caso de bens de capital agrícolas/peças e para 16,6% entre bens de capital para a construção. No período recente, a indústria habitacional foi favorecida pelos gastos das famílias com reforma e manutenção na pandemia e, principalmente, pela queda da taxa de juros e redução dos custos de financiamento da construção e da comercialização de imóveis residenciais. Já a produção e os investimentos da agropecuária tiveram forte incentivo dos aumentos de preços de commodities agrícolas e da taxa de câmbio, diz o Cemec.

 

Rocca - que, no Cemec, acompanha de perto as empresas de capital aberto no Brasil - observa ainda que, desde 2018, a taxa de retorno sobre o capital total investido por essas empresas se aproximava muito do custo médio ponderado do capital, mas, em 2021, essa taxa de retorno melhorou muito. “Um dos elementos importantes para a tomada de decisão de investir é saber como será o retorno desse capital”, explica.

Dadas as restrições financeiras para gastos públicos, houve, de fato, um esforço do governo para adotar como alternativa uma agenda de privatizações e concessões, diz Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). Mas há também, segundo ele, alguns efeitos estatísticos e/ou temporários que ajudam a explicar o impulso recente da taxa de investimento.

 

Além da internalização das plataformas de petróleo, que não representam novos aportes, Pires observa que a inflação de bens de investimentos foi maior do que a do PIB. “Quando você divide o valor do investimento pelo do PIB, a taxa de investimento sobe, mas o efeito-preço não é, exatamente, um investimento novo”, afirma.

 

Olhando à frente, Pires diz que, com a alta dos juros, a tendência é que a construção civil, por exemplo, não seja mais um fator tão forte de crescimento do investimento privado. Além disso, muitos negócios precisaram investir para se adaptar à pandemia, o que tenderia a ser também um efeito temporário sobre os investimentos. “Vamos ter de esperar um pouco para avaliar melhor a tendência, mas essas questões servem para dizer que é difícil enxergar que estamos vivendo um novo ciclo de investimentos com as informações que temos, que possa elevar o crescimento da economia”, pondera ele.

 

Em relatório recente, a Inter B. Consultoria, liderada por Claudio Frischtak, diz que o Brasil ainda investe pouco em infraestrutura, por exemplo. “Em anos recentes menos de 2% do PIB - e não fomos além de 1,73% em 2021”, diz, projetando 1,71% para 2022. A Inter B. parece ver espaço para algum ganho de investimento público no setor - que deve recuar de 0,59% do PIB em 2021 para 0,57% em 2022, estima -, desde que partindo de um reforma do Estado que crie espaço fiscal para ampliação responsável dos recursos, com “nova governança, com melhor planejamento, e menos arbítrio”.

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