Valor Econômico: Após 7 altas, poupança das famílias cai no 1º tri

Após 7 altas, poupança das famílias cai no 1º tri

Consumo, inflação e queda da renda são responsáveis por perda de R$ 32,4 bi ou 6,1% do saldo total

Por Lucianne Carneiro

 

Após sete trimestres de alta, desde o início da pandemia, a poupança financeira das famílias recuou no primeiro trimestre de 2022, segundo levantamento inédito do Centro de Estudos de Mercados de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe). Nos primeiros três meses do ano, a perda foi de R$ 32,4 bilhões, comparada a um aumento de R$ 75,8 bilhões no quarto trimestre de 2021. O valor considera não só a caderneta de poupança, mas fundos de investimentos, ações, depósitos bancários, títulos públicos e privados e captações bancárias, entre outros.

O aumento da circulação de pessoas e a redução das incertezas com a pandemia ajudam a explicar esse movimento, segundo especialistas, que favoreceu o aumento de consumo nos primeiros meses do ano, como já mostraram os dados do Produto Interno Bruto (PIB). Mas outras razões podem também estar por trás: a alta da inflação e a redução da renda média. Economistas acreditam que o movimento de redução da poupança das famílias pode continuar, mas seu reflexo em consumo deve ser mais limitado, diante da conjuntura de aumento do endividamento e juros mais altos.

O estudo mostra que, no período que vai do primeiro trimestre de 2019 ao quarto trimestre de 2021, a poupança acumulada pelas famílias atingiu R$ 527,6 bilhões, registrando sete altas seguidas a partir do segundo trimestre de 2020. Com o recuo de R$ 32,4 bilhões nos três primeiros meses de 2022, ou de 6,1% do total, o valor acumulado caiu para R$ 497,1 bilhões.

Coordenador do Cemec-Fipe, Carlos Antonio Rocca afirma que dois fatores que contribuíram para o aumento da poupança na pandemia deixaram de atuar ou perderam o impacto neste início de ano. O primeiro foi o circunstancial, por causa do isolamento social, que restringia consumo, especialmente de serviços, e o segundo foi o precaucional, já que as incertezas em relação às condições sanitárias vinham tornando as famílias mais propensas a poupar.

“A redução da poupança agora não é nada dramática, mas é uma sinalização de queda. Houve recuo do número de casos de covid-19, menos mortes Há uma percepção de maior controle da pandemia e também menos incerteza”, diz o responsável pelo estudo.

Como não há indicações de deslocamento de poupança financeira para imóveis ou para aplicações no exterior, Rocca destaca que esse recuo da poupança das famílias ajudou a reforçar o consumo no trimestre, considerando tanto bens quanto serviços.

Professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), Marcelo Kfoury Muinhos também vê relação entre essa queda da poupança financeira das famílias com o crescimento do consumo desse grupo no primeiro trimestre, como foi observado no PIB.

“As pessoas começaram a gastar essa poupança acumulada durante a pandemia. Parte disso já se refletiu num PIB mais forte no primeiro trimestre”, diz ele, que atribui o movimento a um conjunto de razões, que inclui volta à normalidade em termos sanitários, queda dos rendimentos médios a partir de um mercado de trabalho que se recupera com salários mais baixos e algum efeito de inflação.

Economista da Tendências Consultoria, Isabela Tavares ressalta que o comportamento da poupança se dá de forma particular de acordo com a faixa de renda das famílias. “Nas famílias mais vulneráveis, essa queda acompanha o quadro inflacionário e a pressão no orçamento. Esses recursos de poupança acabam dando um certo alívio para as necessidades de consumo e pagamento de contas, por exemplo. Por outro lado, segmentos mais ligados à alta renda, que são de primeira necessidade, têm se destacado nesse momento de maior normalização da pandemia”, diz ela.

Estudos anteriores do Cemec-Fipe já tinham apontado para saques de cadernetas de poupança ao longo de 2021 entre aquelas com menor saldo. No trabalho mais recente, ao lado do movimento geral de redução da poupança financeira das famílias, o Cemec- Fipe aponta ainda uma mudança na composição da carteira de investimentos das famílias, com realocação de recursos da caderneta de poupança, de fundos de investimentos e de ações para ativos de renda fixa mais rentáveis após a elevação dos juros.

A continuidade do recuo do saldo da poupança financeira das famílias acumulada na pandemia deve ocorrer, apontam economistas, que, no entanto, estão divididos sobre o efeito no consumo.

Rocca acredita que o desempenho do primeiro trimestre aumenta a probabilidade desse movimento ao longo de 2022. Se o movimento observado no primeiro trimestre se mantiver nos demais trimestres do ano, isso significaria uma redução de cerca de R$ 130 bilhões no saldo da poupança financeira, o que permitiria uma expansão em torno de 2% do consumo das famílias, estima ele, acima de projeções para o PIB (em torno de 1,5%). “Isso pode ter impacto sobre aumento da demanda de consumo e potencialmente pode ser uma coisa grande, já que representa cerca de 9% do consumo total de 2021”, aponta.

Um pouco mais cauteloso, Muinhos acredita que devem continuar os recuos na poupança financeira das famílias, mas que não vê ainda tanta clareza no impacto para o consumo. Por enquanto, diz, os dados de confiança estão melhorando, mas os indicadores de atividade não vão todos na mesma direção.

Para Tavares, esse recuo da poupança das famílias deve se manter ao longo do ano, embora deva fechar 2022 ainda em nível superior ao do pré-pandemia. Só que as pressões de juros bancários mais altos nos empréstimos e pagamento de dívidas acabam limitando o quanto dos recursos chega para o consumo, pondera ela. Sua estimativa é de recuo de 1,5% do estoque da chamada poupança agregada das famílias (que inclui caderneta de poupança, títulos de capitalização, previdência privada, títulos públicos e títulos privados de renda fixa), após alta de 19% em 2020 e queda de 4% em 2021. “No acumulado ainda há ganho”, aponta.

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