Há dúvidas se o mercado de capitais continuará animado no segundo semestre
Dados divulgados na semana passada mostram os danos que os juros altos fizeram no mercado de capitais. Depois do recorde histórico de recursos captados em 2021, o fluxo de dinheiro para as empresas minguou neste ano e teria sido pior não fosse o interesse dos investidores pelos títulos de renda fixa bastante salgados. A inflação elevada com reflexo negativo nas vendas das empresas, a perspectiva de manutenção de juro nas alturas e o risco de recessão global, em cenário tumultuado pelo conflito no Leste Europeu, encarecem o custo do dinheiro.
No ano passado, o mercado de capitais atingiu a marca recorde de R$ 596 bilhões levantados pelas empresas, volume 60% superior ao registrado em 2020, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Desse total, R$ 128,1 bilhões foram captados com a venda de ações, metade dos quais com a aberturas de capital das empresas (IPO, na sigla em inglês), nível também recorde.
Havia a expectativa de que os juros não subiriam tanto e que a economia sairia bem da pandemia. No entanto, o cenário foi mudando no fim do ano e a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro, acelerou a inflação e os juros globalmente, e interrompeu a trajetória positiva. No primeiro semestre deste ano, as empresas levantaram R$ 233 bilhões no mercado de capitais, 12,1% a menos do que no mesmo período de 2021. Na renda variável, as emissões despencaram 75,1% para perto de R$ 19 bilhões. Mais de uma dezena de empresas que programavam abrir o capital desistiram.
A saída foi recorrer à renda fixa, mesmo pagando juros mais altos. As emissões de títulos de renda fixa aumentaram 25% para R$ 202 bilhões. O crescimento foi impulsionado pelas debêntures, que somaram R$ 133,8 bilhões, com expansão de 35,3% em comparação com o primeiro semestre e 2021. Os certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e imobiliário (CRI) também cresceram, 53,9% e 13,4%, respectivamente, captando R$ 16, bilhões e R$ 14,8 bilhões.
Pessoas físicas compraram mais debêntures no primeiro semestre, adquirindo 28,9% do total ofertado. Os bancos coordenadores das operações e outros intermediários ficaram com 32%, e os fundos de investimento, com 31%. Ao todo, foram 225 emissões no primeiro semestre, das quais 49 acima de R$ 1bilhão. As debêntures incentivadas, voltadas para infraestrutura e com prazos mais longos, somaram R$ 19,6 bilhões, em 47 ofertas.
O prazo médio das operações ficou em 6 anos, o menor em quatro anos. Em 2019 era de 6,4 anos, chegou a 6,9 em 2020, voltou a 6,4 anos em 2021 e agora encolheu mais. A maior parte dos recursos captados (36,7%) foi destinado a capital de giro. Parcela significativa de 23,6% para o refinanciamento de passivo, e 18,1% ao investimento em infraestrutura. O mercado de capitais espelhou a migração dos investimentos no primeiro semestre, em resposta à elevação dos juros básicos, para 13,25%, e à queda nominal de 5,99% do Ibovespa. As empresas listadas na B3 perderam R$ 449 bilhões em valor de mercado no semestre e R$ 1,6 trilhão em 12 meses. Das 45 empresas que estrearam na Bolsa em 2021, apenas nove estão no azul.
Os fundos de renda fixa registraram captação líquida de R$ 88,8 bilhões. Já os de ações tiveram resgates de R$ 40,5 bilhões; e os multimercados, de R$ 61,8 bilhões. Houve forte interesse também pelos títulos de renda fixa isentos de Imposto de Renda (IR) e pelos títulos do Tesouro. No balanço geral, a captação dos fundos ficou positiva em apenas R$ 8 bilhões.
Além disso, houve a redução da poupança das famílias, já detectada pelo Centro de Estudos de Mercados de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe) no primeiro trimestre, levando em consideração a caderneta de poupança, fundos de investimentos, ações, depósitos bancários, títulos públicos e privados e captações bancárias, entre outros. Foi a primeira redução após sete trimestres de alta e pode estar vinculada ao aumento do consumo das pessoas, causado pela reabertura da economia, mas também à alta da inflação e redução da renda média.
Há dúvidas se o mercado de capitais continuará animado no segundo semestre, mesmo que concentrado nos títulos de renda fixa. Além de se esperar um impacto maior das restrições da política monetária na economia, em parte mitigadas pelas injeções de recursos que o governo está promovendo com os benefícios sociais, e da esperada aceleração da elevação dos juros no mercado externo, há a preocupação com o clima eleitoral, que deve acentuar a preocupação com o risco.