Estudo mostra como juro afeta fluxo para ações
No 2o trimestre, apesar da alta da Selic, investidor mais comprou que vendeu; movimento parece já ter mudado
Por Rita Azevedo
O aumento da taxa básica de juros costuma, historicamente, provocar efeitos opostos na decisão de investidores nacionais e estrangeiros na bolsa de valores. Os brasileiros preferem reduzir as posições em renda variável, na busca de opções mais seguras e rentáveis, enquanto os estrangeiros elevam a alocação de recursos em ações, conseguindo até mesmo compensar os efeitos da saída dos locais.
No segundo trimestre do ano, no entanto, o que se viu foi o contrário, segundo mostra um estudo do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe). “Nesse período, os investidores nacionais compraram mais ações do que venderam, contradizendo aquela percepção de que, quando sobe a taxa de juros, eles desinvestem”, afirma Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe.
Uma possível explicação para isso, segundo Rocca, é que os investidores locais anteciparam a compra de ações na expectativa de que o ciclo de elevação da Selic estaria no fim e de que mais adiante as taxas de juros iriam cair. O esperado, no entanto, não se concretizou.
“As pressões inflacionárias se mantiveram ainda muito elevadas e não houve nenhum sinal significativo de queda de inflação”, diz Rocca. “Com isso, a expectativa de queda dos juros acabou sendo deslocada para frente. Aparentemente, teremos mais um degrau da taxa de juros em agosto.”
Em julho, o comportamento dos investidores locais já mudou. Dados da Anbima mostram que no mês, até o dia 12, os fundos de ações sofreram resgates líquidos de R$ 3,85 bilhões. Nos fundos multimercados, a saída alcançou R$ 5,7 bilhões no período.
O momento atual, diz o coordenador do Cemec-Fipe, é de muito mais incerteza do que há um mês, considerando uma série de fatores, como o futuro da guerra entre Rússia e Ucrânia, o comportamento do preço de commodities e a inflação nos Estados Unidos. Com isso, é difícil afirmar que o movimento de compra de papéis pelos investidores locais no segundo trimestre deve se consolidar e provocar uma virada na bolsa.
Para Edoardo Biancheri, da gestora Garde, o cenário externo tem impedido uma visão mais otimista sobre o mercado de ações brasileiro. “Não acreditamos que o pior já passou, considerando a situação lá fora. Ao contrário, acho que o pior está por vir.” Analisando apenas o lado doméstico, há muitas oportunidades de investimento devido à desvalorização das companhias. Mas isso isolado não garante que os investimentos nos papéis irão aumentar. “Eu gosto de preço, mas não tem nada que me diga que a situação será revertida no curto prazo. O momento é de cautela”, afirma.
Gabriela Joubert, analista-chefe do Inter, acredita que, à medida que esse clima de incerteza for melhorando, a bolsa brasileira passará a ser vista como uma opção para os investidores. “Nosso mercado está mais atrativo do que outras opções lá fora, considerando que os riscos internos já estão bem precificados, mas ainda sofremos com essa aversão de risco generalizada”, diz Gabriela.
Essa melhora de clima, segundo ela, deve ocorrer aos poucos, quando ficar mais claro, por exemplo, qual será a estratégia dos bancos centrais para lidar com a inflação ou quão rápida vai ser a desaceleração da China. “Quando olhamos os indicadores domésticos, vemos que não está tão ruim assim. E quando se olha os balanços de empresas, a expectativa é de um segundo trimestre parecido com o primeiro, mas com margens estáveis ou até melhores”, afirma.
O estudo do Cemec foi feito a partir da análise da variação dos juros no país no período de 2016 até junho de 2022 e da movimentação de investidores nacionais e estrangeiros. Uma das conclusões é que a maioria dos investidores mira o curto prazo e responde rapidamente às mudanças da taxa real de juro curta, o que reflete imediatamente no aumento ou na redução dos preços dos papéis. “Isso não tem uma conexão direta com o ‘valuation’ das empresas que compõem a carteira desses investidores”, lembra Rocca.
Outro ponto analisado foi o impacto do aumento dos juros sobre o custo de capital das companhias do Ibovespa. Em janeiro de 2021, após uma série de quedas, esse custo chegou a 5,6% ao ano. Em março deste ano, aumentou para 7,44% e atualmente está acima de 8%, conforme os cálculos do Cemec.
O efeito direto desse crescimento do custo se mostra nas emissões primárias de ações. “As empresas comparam o custo com a taxa de retorno do capital investido. Conforme esse custo aumenta e supera a taxa de retorno, a captação de mais recursos na bolsa é desestimulada.”